Foi assim que o Rui o baptizou. De acordo com o previamente combinado, lá nos encontramos na Portela do Homem cerca das 8:30, para nos aventurarmos na tentativa de percorrer aquele trilho.
No pequeno percurso até à Ponte do Rio Homem, verificamos que a afluência de carros e caminheiros era “significativa”. Avizinhava-se um dia concorrido por aqueles lados. Já vou tentar explicar o que quero dizer com “significativa”! Utilizo “significativa” para ser vago, dizer tudo e não dizer nada, propositadamente. Se, por um lado, fico contente ao ver tanta gente disposta a vir até ali e, penso eu, desfrutar da serra e do ambiente natural, por outro lado fico preocupado. Fico preocupado com as Pessoas e com o Ambiente, bem entendido, e por esta ordem.
Ser “muita” ou “pouca” gente, todo nós entendemos o quão relativo isso é. A minha preocupação advêm do simples facto de pensar que muita da gente ainda é capaz de, e vejam só esta foto feita no regresso, de tudo e mais alguma coisa!
É notória a falta de comportamento adequado e minimamente coerente com o local e com a actividade que se propõem levar a cabo. (penso eu!). Responsabilidades? …tema para outra altura. Vamos ao que motivou esta entrada no blogue.
Iniciado o trilho “clássico” em direcção aos Carris e uma vez chegados próximo da Água da Pala, atravessamos o rio. O Rui começou a (já sabíamos!) árdua tarefa de progredir entre mato e vegetação mais alta, enquanto eu, em cima de uma rocha que me permitia ver, ao mesmo tempo, o Rui e aquilo que parecia ser o trilho, tentava orientá-lo. Mais acima, mais abaixo, mais em direcção a.., e qual quê! Eu, comodamente em cima dumas pedras imaginando – a maior parte do tempo não o via, de tão embrenhado que ficava na vegetação – e sabendo o difícil que seria progredir. E o Rui e o trilho ali mesmo ao lado. E o trilho a rir-se para nós! E nós a rirmo-nos para ele! Literalmente. Diria até com alguma inocência, própria daqueles momentos em que nos rendemos às evidências, qual criança a quem tiram o brinquedo e privam da brincadeira.
Quem só tem vegetação à sua frente e não visualiza mais de 2 ou 3 metros, tem como única arma a vontade e determinação em progredir. Quem tenta orientar alguém nestas condições, e num terreno que desconhece tanto quanto o outro, sente-se impotente a cada informação que tenta passar ao “desgraçado” companheiro. Foi assim que me senti quando a determinada altura lhe digo: Vai em direcção àquela árvore que fica a tua frente! Já estão a ouvir a resposta? “Qual árvore? Tudo são árvores, na minha frente!…” respondia-me o Rui por entre uma gargalhada a que me associei de imediato!!! O problema não é de orientação. É de vegetação.
Eram quase 11:00 horas. Restava-nos fazer uma reformulação da estratégia e um dia que não queríamos desperdiçar de forma alguma. Pelo antigo estradão, os grupos de pessoas que tínhamos visto chegar à Portela começavam a passar na zona e faziam antever a movimentação que seria para o lado das minas.
Não foi preciso fazer uma conferência entre os dois. Quase sem dizermos nada, arrancámos na direcção dos Carris. E se arrancámos! Caminhando…devagar! Mas o suficientemente ligeiro para chegar a tempo de desfrutar do sossego do local. Lá fomos andando, saudando aqueles que íamos ultrapassando e fazendo pequenas paragens para, mais uma vez, tentar interpretar o trilho da margem direita.
Próximo da Carvoeirinha deixamos o movimentado estradão e rumámos pela corga do Salto do Lobo. Em amena cavaqueira, reacendendo temas e revendo mentalmente as fotos documentais que o Rui me tinha mostrado na noite anterior, sonhando ainda mais alto do que a cota a que estávamos, caminhando cerimoniosamente muito mais devagar, chegamos aos Carris. Em breve começariam a chegar pequenos grupos, partes integrantes de grupos maiores que faziam parte do grupo total que foi aos Carris naquele dia. Isto sem contar os grupos de dois. Por volta das 14:00, hora em que decidimos regressar, seria superior a 50 o número de pessoas que por ali estariam.
O único registo digno de comentário, e que muito nos surpreendeu, foi termos ouvido ruídos de movimentos no meio da vegetação, bem próximo do trilho, ali pela zona limítrofe do lado Este da área ardida, antes da Fonte da Abilheirinha. O Rui caminhava duas dezenas de metros à minha frente. Deteve-se e, aguardando-me em silêncio, com um gesto alertava-me. Acenei-lhe dando a entender que também estava atento. Antes que pudéssemos murmurar alguma coisa, o barulho de ramos a partir e movimento entre a vegetação, deixava-nos perplexos tentando identificar o que se tratava. Por segundos, dois ou três saltos mais altos, evidenciam um animal de porte considerável, ágil trepador e que nos pareceu tratar-se de um corço. Rápido como um relâmpago, apenas o avistei encosta acima em dois ou três brevíssimos instantâneos, quase sem o ver por completo em momento algum e sem ter tido a certeza absoluta da sua configuração. Mais um bom motivo para continuar a conversar. O motivo passou a ser a estranha presença deste exemplar neste local, nesta altura do ano, num dia como aquele, e numa localização onde já nos teria visto mais cedo. Terá o recente incêndio alguma influência directa? Ou, questionando-me de outra maneira: “porque estará aqui, num local tão próximo, nada próprio destas espécies?”.
Cerca das 16:00 terminámos. Era “significativo” 🙂 o número de carros estacionados na Portela do Homem àquela hora.
Um dia bem passado.